Não é de hoje que
Botucatu assiste entorpecido ao desmonte da história local, materializada,
entre outras ações, na avalanche de demolições de prédios que poderiam se
tornar equipamentos de preservação da memória, justamente por terem sido partes
da história dos Bons Ares.
O Jornal Diário da
Serra de terça-feira (2) enseja essa reflexão logo em sua 1ª página.
A chacina mais recente
está ocorrendo no antigo Cine Vitória, depois Cine Vila Rica (O cinema do
Bairro), marco da descentralização do acesso à cultura cinematográfica de
Botucatu. Ainda no mesmo ramo de atividade, não se pode esquecer o “Cine
Cassino” (no centro da Cidade), que chegou a ser uma das principais salas de
cinema do País – figurando entre os primeiros locais de reprodução fílmica
brasileira.
E existem outros
exemplos de tragédias concretizadas, como os imóveis das Indústrias Bacchi
(próximas à Estação Ferroviária), a Sede dos Vicentinos, a Oficina de Máquinas
do Complexo Ferroviário, quase todas as fachadas dos prédios da Rua Amando de
Barros e Rua Floriano Peixoto (que se configuram no primeiro eixo comercial
local).
Além disso, também
existem aquelas tragédias que estão à espera do momento de ocorrer – como o
prédio que abriga a 1ª Companhia de Polícia Militar do Estado São Paulo (no
início da Rua Major Matheus), que foi vendido à iniciativa privada em 2012 pela
Prefeitura Municipal, a partir da anuência da 15ª Legislatura da Câmara
Municipal, por meio do Projeto de Lei nº 98/2012 – aprovado pela maioria
absoluta dos senhores vereadores, inclusive por ex-parlamentares que se dizem
protetores da história.
Esse imóvel foi o local
onde funcionou pela primeira vez a Escola Estadual Dom Lúcio, a primeira escola
da Zona Norte botucatuense. Agora, acredita-se, aguarda a saída da corporação
policial para concretização de seu triste fim.
Outra tragédia
anunciada é o próprio imóvel onde até recentemente funcionava o Jornal Diário
da Serra. O periódico segurava a manutenção desse patrimônio, mas com sua saída
talvez ninguém saiba o que pode ocorrer.
Mas estas mal traçadas
linhas não carregam nenhum tipo de crítica aos empreendedores privados ou à
própria Polícia Militar, que à época da privatização do prédio que utiliza como
sede solicitava justamente instalações mais apropriadas ao desempenho da função
– já que a antiga escola estaria “em petição de miséria”, à “beira da
destruição”, com “risco de queda”, como relatado na Sessão Ordinária do dia 12
de Dezembro de 2012, na Câmara Municipal de Botucatu. E que, apesar disso,
ainda está em plena atividade.
Não se pode esperar que
os empreendedores privados estejam preocupados com a preservação de patrimônios
históricos, apesar de alguns sábios demonstrarem apreço à questão.
Trata-se, na verdade,
de uma perspectiva de atuação que deve partir do Poder Público, em conjunto com
a sociedade civil organizada ou não.
Também, vale lembrar,
que este texto não pretende dicotomizar o debate entre “Prefeitura fez” versus
“Prefeitura não fez” ou “O grupo no poder é bom” versus “O grupo no poder não é
bom”, ou qualquer redução da discussão às insignificâncias das legendas
partidárias.
Óbvio que aqui são
reconhecidas iniciativas importantíssimas dos últimos Governos, como a compra
da sede da antiga Fazenda Monte Alegre e a ocupação do prédio da administração
ferroviária (na Administração petista), ou a restauração do prédio do antigo
Fórum e a compra das instalações do extinto Hospital Sorocabana (na gestão
tucana).
Óbvio também que aqui
são reconhecidas as perdas em patrimônios históricos de suas respectivas
épocas.
O que este texto trata
é sobre uma aparente falta, ou não aplicação, de uma Política Pública definida
para a preservação do patrimônio histórico/cultural botucatuense, para além de
ações isoladas importantes.
O debate é relevante em
função de ser a história de uma comunidade que lhe confere identidade e sentido
de unidade.
E sem sombra de
dúvidas, sem história uma cidade se transforma em um aglomerado humano “sem
cara”, “sem saber de onde veio” e, provavelmente, “sem saber para onde vai”...